A pauperização e a exploração de uma parcela dos brasileiros é sem duvida uma realidade constante no Brasil. Esse fato se arrasta ao longo de 500 anos, sendo que o negro e o índio foram os primeiros a sofrerem com esta situação.
A formação do Brasil originou-se da confluência de 3 etnias, mas os portugueses; senhores detentores de autoridade e propriedade eram os donos de índios e negros africanos.
Os Negros que foram trazidos para o Brasil pertenciam a 3 grandes grupos, sendo sua principal maioria da costa ocidental africana. Os pertencentes ao primeiro grande grupo são: Yorubá - chamados Nagô, os Dahomer- chamados Gegê e os Fanti - Ashanti- conhecidos como Minas. Obviamente, foram trazidos grupos menores, pertencentes à Gâmbia, Serraleoa, Costa da Malagueta e Costa do Marfim. O segundo grupo era composto por culturas africanas Islâmicas; Peuhl, Mandiga e Haussa que se originou do norte da Nigéria (conhecidos na Bahia como negros Malé e no RJ como Alufá). O terceiro e último grande grupo foram os Bantu, grupo Congo-angolês, originários de áreas que vão de Angola a atual Moçambique.
Durante muitos anos ensinou-se nas escolas que os índios eram preguiçosos, portanto não serviam para serem escravos, mas, ao fazer esta afirmação vários equívocos foram cometidos, pois se assume o pressuposto de que aceitavam serem escravos! E isso não é verdade, pois prova disso são os Quilombos e a grande revolta dos Malês!
Os negros africanos não aceitavam a escravidão, tanto é que muitos sofriam do Banzo - sentimento que levava o negro à morte por saudade -. Algumas mulheres praticavam o infanticídio para que seus filhos não nascessem escravos.
Outros fatos que são poucos discutidos são : a diversidade de dialetos falados pelos negros por se originarem de diferentes regiões e a falta de conhecimento geográfico da região, problemas que os índios não tiveram que enfrentar e por isso não eram facilmente escravizados.
“Esses homens e mulheres viviam sem o amor de ninguém , sujos, feios , fedidos, enfermos, sem gozo ou orgulho do corpo castigado diariamente pelas chicotadas, mutilações e queimaduras. Nenhum povo que passasse por isso como rotina de vida, através de séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente..."
Segundo Darcy Ribeiro, as marcas da violência permanecem até hoje na nossa sociedade, pois quem são os descendentes de escravos? Ou quem são negros ou brancos puros no Brasil? Perguntas difíceis de serem respondidas já que passamos por um processo de miscigenação que se torna impossível definir qualquer tipo de etnia ou “raça pura” .
As mais longas e cruéis lutas que se travaram no Brasil foram de resistência negra e indígena no decorrer dos anos da escravidão. Os negros que formavam os Quilombos eram negros já aculturados que possuíam um conhecimento da natureza brasileira e, portanto, podiam sobreviver.
Talvez o aspecto mais interessante que há na história do negro no Brasil é, sem duvida, a incorporação de sua cultura na formação da cultura brasileira. Lembremos-nos que eram trazidas negras designadas amas de leite que cuidavam dos filhos dos senhores de engenho, já que a "Sinhazinha" normalmente era uma adolescente por volta de 12, 13 ou 14 anos.
Segundo Gilberto Freire, em “Casa Grande Senzala ”, muitas palavras dos dialetos africanos foram incorporadas no vocabulário do brasileiro como, por exemplo; caçamba, canga, cafuné, vatapá, etc. Os pronomes também sofreram influências, como por exemplo, o modo duro e imperativo de falar: diga-me, faça-me; foi sendo substituído por um modo mais "doce": me diga, me faça. Certamente por ser o primeiro (faça-me) o imperativo do senhor mandando e o segundo (me faça) é o escravo, a mulher, o filho e a mucama pedindo.
Outras influências africanas que podemos observar na cultura brasileira são a culinária, as ervas, os temperos, as músicas e, sobretudo, a religião. Todavia, muitas destas praticas sofreram mutações e influências, a religião por exemplo: os negros ao chegarem ao Brasil, alguns eram batizados em massas e a todos era ensinado o dogma católico.
Entretanto, apesar de toda essa brutalidade que foi a escravidão, o negro nunca parou de resistir, ao existir uma possibilidade o negro fugia para formar as vilas ou cidades de resistência (os quilombos). E não foram apenas os Quilombos, houve o desenvolvimento da capoeira: espécie de dança e luta definida pelo toque do berimbau (instrumento em forma de arco feito de pau e arame com uma cabaça amarrada no final, tocada com um pedaço de pau semelhante à vareta e uma pedra). Esta prática começou a ser usada para que os negros pudessem treinar sem despertar suspeita, pois ao verem que alguém indesejado se aproximava, o toque do berimbau mudava a ação e conseqüentemente os capoeiristas que lutavam começavam a gingar, tornando assim o que antes era luta em dança.
O candomblé era, e é outra forma de resistência. O mais importante de entender é que o surgimento do candomblé no Brasil, demonstra a necessidade dos negros retornarem ao verdadeiro sentido da comunidade, ou seja, reconstituição da família negra completamente esfacelada com a escravatura. Nesta religião não há oposição, nem contradição e, portanto, não existe exclusão.
"Aquilo que parece contraditório, é na verdade, complementar, pois o dia se opõe à noite, mas se um não viesse após o outro o universo e a vida simplesmente não existiriam”.
O tradicionalíssimo ideal maniqueísta entre bem e mal não existe no candomblé, nem o mal é estigmatizado.
Os negros, desde o início da escravidão, cantavam e dançavam rememorando as práticas "Tribais", a partir de então não demorou para que o processo de sincretismo, entre africanos e católicos, devolvesse aos negros muito do que se havia perdido com a crueldade da escravidão, inclusive a família, que discutiremos posteriormente. Desta forma os negros uniram seus deuses em um único culto católico e com isso a religião africana foi mantida na senzala.
Podemos dizer que ao reconstituir a família africana destruída, foi permitido ao candomblé se definir como um elemento de resistência negra no Brasil, pois se tornou sinônimo de sobrevivência de deuses, ritos, tradições e do próprio negro como pessoa.O candomblé é uma religião que para entenda-la é necessário recorrer à inserção do negro na sociedade brasileira, já que seu surgimento se deu em conseqüência da história do negro no Brasil.
Esse processo de sincretismo religioso é uma particularidade de países de colonização católica com um alto fluxo de negros. Outro exemplo distinto foi o que se deu nos EUA que, por ser composto de uma população basicamente protestante, não houve possibilidade para que antigos cultos africanos fossem incorporados, mas foi na música que a influência africana difundiu-se pelas igrejas protestantes e pentecostais dos negros americanos.
Outro fato importantíssimo neste retrato dos negros no Brasil é o de terem passado da escravidão para a condição de homens livres sem nenhuma política de introdução dos ex-escravos em trabalhadores assalariados.
Segundo Florestan Fernandes, os negros construtores absolutos da grandeza da nação brasileira, foram renegados de seu próprio destino. Na metade do século XIX várias manifestações foram feitas com o intuito de estudar a transição do negro escravo em trabalhador livre, mas a descoberta da imigração proporcionou uma mão de obra até mais barata, se comparada com a manutenção da mão-de-obra escrava. Os negros foram abandonados pelos brancos governantes e seus problemas esquecidos como se o negro não fizesse parte da nação brasileira.
O imigrante era visto como a grande esperança nacional, onde ele estava, o negro era banido. Acreditava-se que o imigrante era por excelência o agente natural do trabalho assalariado.
“Diante do negro e do mulato abrem-se duas escolhas irremediáveis, sem alternativa. Vedado o caminho da classificação econômica e social pela proletarização, restava-lhes aceitar a incorporação gradual à escória do operariado urbano em crescimento ou abater-se penosamente, procurando no ócio dissimulado, na vagabundagem sistemática ou na criminalidade fortuita meios para salvar as aparências e a dignidade de” homens livres (FLORESTAN) “.
O autor discute, apesar de indiretamente, um fato importante, que é a resistência do negro para se manter em atividades econômicas; muitos dos negros não resistiram e migraram para longe da senzala, lugar de dolorosas lembranças. A grande maioria não migrou para longe, alguns procuravam trabalho em fazendas próximas, mas esse comportamento foi encarado pelos fazendeiros como intolerável ou ingratidão dos negros. Aqueles que deixavam as fazendas eram substituídos pelos imigrantes e jamais retornavam, pois os fazendeiros acreditavam ser uma ofensa a partida do negro que durante muitos anos foi alimentado pelo fazendeiro.
O negro perdeu na concorrência e preferência para o imigrante, apesar de não ser tão simples, alguns autores dizem que os fazendeiros expulsavam o liberto para explorar o imigrante, paupérrimo vindo da Europa, outros dizem que os imigrantes apenas ocuparam um vácuo deixado pelo abandono dos libertos. Segundo Florestan, nem uma coisa nem outra, o autor afirma que o que houve foi a preferência dos fazendeiros pelo imigrantes. Nas regiões onde havia prosperidade econômica isso não ocorreu, o liberto foi utilizado como mão de obra nacional, mas devido à preferência aos imigrantes, um grande fluxo migratório de trabalhadores agrícolas se deu no Brasil para regiões do interior, esses eram os negros, mulatos e caboclos, que migravam para regiões de menor concorrência com imigrantes.
Nas cidades, o estrangeiro era visto como grande esperança nacional de progresso, símbolo de progresso, tanto que as profissões como magistrado e advocacia, o imigrante pouco aparecia, mas estava sempre presente nas profissões que davam força para o progresso econômico, portanto, o negro foi expolido da competição da cidade (SP), enquanto que o imigrante era eleito como agente do trabalhador livre, mecanismo de ascensão social, aberto pela queda do regime social e constituição da sociedade de classes.
O negro foi visto desde o início dos movimentos abolicionista como mero combustível indispensável à abolição, nunca como agente revolucionário e independente, capaz de buscar seus rumos e colocá-los em prática.
"Os libertos sabiam o que não queriam, mas, não sabiam o que queriam coletivamente, e nem como agir socialmente para estabelecer semelhante querer coletivo."
Ao imigrante, o Brasil surgia como uma nova página na vida; nova pátria e nova vida. Enquanto isso ao negro ainda permanecia a angústia de decidir como, quando e onde trabalhar. A libertação condicional, mesmo com prazo limitadíssimo, não produz efeito algum naquelas almas ulceradas por tão longo cativeiro. Suspeitam, e com razão, que tal "liberdade" era apenas um logro para demorá-los na escravidão, da qual as circunstâncias os livrariam.
"Trabalham, mas com indolência e má vontade: funciona o corpo, mas não o espírito"
Florestan Fernandes salienta ainda como a sociedade escravocrata só preparou o escravo e o liberto nos setores que poderiam produzir um desequilíbrio. A sociedade brasileira possuía o temor da rebelião negra; o negro, inimigo doméstico, inimigo público:
"...é o vulcão que ameaça constantemente a sociedade , é a mina pronta a fazer explosão à menor centelha..."
A sociedade impediu, às vezes através de violência, qualquer forma de organização ou solidariedade aos libertos. Este fato trouxe como conseqüência a emergência do mulato e do negro da sociedade servil para a uma nova ordem vigente sem quaisquer condições sociais para gerir suas vidas. Ao liberto faltava a autodisciplina e o espírito de responsabilidade do trabalhador livre, pois sempre que cobrados, relutavam a dizer - sou livre, e largavam a ferramentas e lá se iam. Muitos dizem que os negros não tinham "cabeça" para dirigir suas vidas, na verdade eles não possuíam experiência e domínio das técnicas sociais e culturais do ambiente cujo uso sempre lhe foram privados como escravos, pois depois de libertos, não foram apresentados e nem instruídos às novas técnicas sociais.
Podemos até dizer que a situação do negro pós-abolição era "pior" do que quando escravo, depois de liberto ele foi deslocado da sociedade.
A "grande " liberdade dada ao povo negro no Brasil marca o início da miserabilidade de seus descendentes, os libertos projetavam-se nesta cena histórica com objetivo de definir em sua existência idêntica a dos brancos Senhores. Este fato culmina em uma maior degradação da imagem do negro que não foi aceito pela sociedade como igual.
O fim da escravidão não significou o sepultamento do antigo regime, deste, permaneceu a mentalidade, o comportamento e a organização das relações sociais. Segundo Florestan Fernandes, quase meio século se passou desde abolição e a ideologia racial permanece intocável, soberana e a produzir um efeito contrário a uma sociedade multirracial, ou seja, a ordem social mudou mas, o pensamento continuou arraigado ao regime escravocrata " os quais os tornaram inaptos para compreender o presente e enfrentar com mentalidade construtiva as suas múltiplas exigências revolucionarias."
Além do que, o negro não foi incluído na vida social normal do novo regime. Acreditava-se na absorção gradativa do negro pela identificação do mesmo com os valores dos brancos, desta forma pretendiam instituir a paz social e prevenir qualquer tipo de tensão racial, impossibilitando assim a direta inserção dos negros e mulatos na área dos benefícios e direitos do processo de democratização de garantia e direitos sociais.
Segundo Teresinha Bernardo, as negras e os negros em São Paulo que não possuía família na escravidão, ao ser libertos, demoram a constituir família da forma "tradicional” (pai, mãe e filhos); os relatos das senhoras negras, que viveram mais de 70 anos em São Paulo, referem-se aos homens, que mantiveram relações sexuais, com desdenho, há nas falas das senhoras tremendas convicções, que não deixam dúvidas sobre suas auto-suficiência. Estas senhoras negras com certeza tiveram família, entretanto, suas famílias eram ou são matrifocais. Este fato se deu devido a duas questões: a primeira porque as mulheres na escravidão não possuíam maridos, no máximo filhos bastardos e, sobretudo, por residir nestas mulheres raízes da organização sócias - econômicas da África, parafraseando a autora, essa independência da mulher negra pode ser explicada, segundo Pierre Verger, pela tradição da organização familiar poligínica, segunda questão refere-se aos homens negros que na escravidão não possuíam família, vínculos afetivos ou qualquer responsabilidade que dizia respeito à estrutura familiar.
Em seu livro, a autora descreve a situação do homem negro liberto na cidade de São Paulo, relato quase semelhante ao de Florestan; ambos relatam as dificuldades desses homens em sobreviver na cidade que os enxergavam como desiguais e inferiores, e quando algum branco os oferecia trabalho eles eram eternamente gratos.
As obras literárias são também fontes reveladoras desta situação de resistência ou rejeição da presença do negro na cultura brasileira, ou seja, os escritores não reconheciam o negro enquanto brasileiro. Exemplos de criação romântica é a obra de Gonçalves Dias e José de Alencar - enaltecedores da presença indígena na identidade brasileira.
Em "Preconceito de cor e a mulata na literatura", Teófilo de Queirós Júnior faz uma análise comparativa entre a mulata e a nativa, e demonstra o papel de ambas na literatura:
"a mulata não teve possibilidade, como ocorreu com a nativa, de se transformar em figura em torno da qual se pudesse exaltar as qualidades da terra, a pureza do povo, o valor de uma cultura merecedora de admiração. A mulata não conduziu, pois, poemas épicos de estilo camoniano, relativos a momentos marcantes de uma nação que se iniciava (QUEIRÓS)"
Aos negros na literatura restava apenas o aspecto bestial e exótico, segundo Clóvis Moura. Devemos lembrar que a literatura ocupava uma função ideológica de manutenção do "status quo" no modo de produção escravista. Seu principal papel era firmar a manutenção da "superioridade" branca em detrimento da "inferioridade" negra, na verdade, todo sofrimento e complexidade da escravidão não atraíram a atenção dos escritores. Talvez por ausência de classe média no Brasil da época e conseqüentemente de escritores independentes.
Somente nos idos do século XVII, Gregório de Matos canta a mulata, mas por ser um escritor que durante quase dois séculos permaneceu no anonimato, a inserção da mulata na literatura retardou a surgir, ou seja, segundo Clovis Moura "a literatura dos românticos existia como suporte ideológico para a manutenção da relação de dominação, isto é, embasamento da superioridade racial, principal justificativa da escravidão”.
Em 1857 é publicado o romance "A Escrava Isaura" de Bernardo Guimarães, um belo exemplo do fenômeno do embranquecimento, em suma, o escravo não podia ser descrito como provido de uma beleza humana. Na obra de Gregório de Matos a mulata oscilava entre características angelicais e demoníacas, obviamente que prevalecia o demônio.
Outro romance do “boca do inferno” (Gregório de Matos) é "Rosa" que se nota na obra uma presença mais africana e resta-lhe a marca da sexualidade e exotismo, palavras muito familiar quando se refere às mulatas; Isaura (única personagem do naturalismo), Rita baiana (de “O Cortiço” de Aluizo Azevedo).
Portanto, segundo os estudos de Roger Batista sobre o estereótipo na literatura brasileira, tanto Gregório de Matos que via no negro a expressão da sujeira e feiúra, como Bernardo Guimarães que apresentava os desgostos de Isaura, são denunciados como agentes do preconceito, já que não colocava em cheque a questão da estrutura étnica social brasileira.
Gregório de Matos:
"Ter sangue de carrapato
seu estoraque do Congo
cheirar-lhe a roupa a mondongo
é cifrar de perfeição”
Bernardo Guimarães:
“já tive a desgraça de nascer cativa, não era melhor como a mais vil das negras”
Dos autores e escritores da literatura, de todos que pesquisamos, o primeiro a tratar o negro em sua obra com humanismo foi Castro Alves. Talvez, Castro Alves estivesse “embevecido” pelos discursos abolicionistas da época, o qual fazia parte. Segundo Celso Prudente , Castro Alves em seus poemas “Bandido Negro” aponta “a vingança” do negro como fator imprescindível para a abolição, não a liberdade do escravo como fator fundamental para a existência da plenitude do homem, na sua condição ontológica. Na realidade o senhor também era escravo da dependência do trabalho no escravismo . Outro ponto importante a ser salientado é a imagem do negro na telenovela brasileira. Assunto pesquisado e discutido no documentário de Joelzito de Oliveira “A negação do Brasil”, que se inicia retratando o primeiro sucesso de uma mulher negra na telenovela brasileira (Isaura Bruno, em Direito de Nascer-1960. TV-Tupi), entretanto, paralelo a este sucesso, deve ser lembrado duas questões: Primeiro os diversos estereótipos a qual o negro sempre foi associado (mãe preta, preto velho, mártir, negrão malandro, favelado, crioulo doido, mulata boa, etc).
Segundo Joelzito, apesar de todo o sucesso alcançado por Isaura Bruno encenado em SP e RJ ao vivo para TV brasileira, encerrou sua vida vendendo doces na praça da Sé, totalmente desconhecida, protagonizando assim como seria o reconhecimento do negro na TV brasileira. O autor salienta ainda em a “Negação do Brasil” o desaparecimento da atriz Isaura Bruno da TV que passou inteiramente desapercebido à crença na democracia racial, o desejo do branqueamento era tão forte nos anos 60 que “nos” impediu de perceber o desfecho trágico de Isaura Bruno.
Em 1969/70 foi lançada a novela “A Cabana do Pai Tomas”, que contou com o primeiro grande elenco negro da TV brasileira. Os Protagonistas eram Ruth de Souza e Sérgio Cardoso, só que Sérgio Cardoso, além de protagonista, fazia na novela o papel do pai Tomas, pintando-se de preto, colocando rolha no nariz e algodão na boca para falar como “Pai Véio”- estereótipo do negro- só que desta vez disseram que não havia negro com capacidade de interpretar o personagem.
Este episódio causou tremenda repercussão entre os quais Plínio Marcos em SP que levantou uma questão, “país constituído por grande contingente de negros e mulatos e um ator branco é chamado para fazer o papel de um negro como se nenhum negro tivesse capacidade de fazer esse papel”. A novela entrou em desgaste com as discussões e para findá-la, um incêndio ocorrido no estúdio em SP, obrigou a transferir os locais de gravações para RJ, encerrando assim, este horrível episódio da telenovela brasileira.
Os papéis para os negros eram sempre de inferioridade social e cultural, podemos observar este fato através dos estereótipos, exemplo da empregada doméstica, a criada alcoviteira muitas vezes mentirosa e maliciosa. O maior sucesso foi Zita em “Como Salvar meu casamento” (de Edy Lima e Carlos Lombardi da TV-Tupi 68/69) onde apesar de um final que demonstra o talento da empregada, o que prevalece é o discurso da bondade da patroa.
Toni Tornado diz no documentário que, em “Roque Santeiro” de Dias Gomes, o mais lógico seria que a viúva Porcina ficasse com seu capataz Rodézio, o único que realmente não a abandonou, inclusive segundo Toni foram filmado três finais, mas a rede Globo não teve coragem de colocar a cena da viúva com o capataz no ar.
Em a “Escrava Isaura” de Gilberto Braga 1976/77, apesar de enfatizar a brutalidade da escravidão, Isaura foi interpretada por uma atriz branca, que além de passar a idéia de que a libertação dos escravos foi conseqüência da bondade dos brancos para com os negros, ignorando todo o processo histórico de formação do mercado interno e trabalho assalariado, elementos imprescindíveis ao sistema capitalista.
“Gabriela cravo e canela” de Walter G. Durst –1975- TV Globo, foi uma novela que apesar das características da mulata brasileira escrita por Jorge Amado, a TV escolheu uma atriz quase branca para interpretar a Gabriela. Segundo Walter Avancini, diretor da novela, não havia nenhuma atriz negra ou mulata no Brasil na época, que tivesse capacidade de interpretar a personagem, além do que dos anos 70 aos 90 o negro não possuiu espaço na TV porque as novelas eram voltadas para um público de classe média e média alta.
Contraditoriamente a isto o teatro experimental do negro foi um “Grupo fundado e dirigido em 1944 por Abdias do Nascimento, com o intuito de abrir as portas das artes cênicas brasileira aos atores negros”
O teatro experimental do negro fez, em dezembro de 1948, o primeiro exemplar do jornal Quilombo.
“O quilombo expressa o modo como tal projeto transformou-se numa ampla mobilização política, seja cultural, seja educacional, seja eleitoral, para conquistar para os negros um lugar autônomo na emergente democracia brasileira”
Este jornal publica notícias e discussões sobre o negro na sociedade brasileira e na cultura do Brasil, cronista como Nelson Rodrigues escrevia para o jornal, inclusive discutindo preconceito no teatro . A literatura de Lima Barreto e Cruz de Souza foram notícias do Quilombo, além da culinária, candomblé, cinema, rádio, etc.
O Quilombo foi um importante instrumento de resistência das comunidades negras da década de 40 como imprensa escrita. É importante salientar que tanto Ruth de Souza como Milton Gonçalves (dois dos mais importantes atores da historia brasileira) foram participantes do “teatro experimental do negro” e muitos outros atores e atrizes que iniciaram esta resistência. Peças de Sartre, Shakespeare e muitos outros autores foram interpretados , até Albert Camus quando veio ao Brasil foi visitar o teatro experimental do negro, portanto, a afirmação de Ancinie que no Brasil não existia negros com capacidade , é equivocada , talvez o que não houvesse era uma negra com os fenótipos desejados pela direção em “Gabriela cravo e canela” e a “Cabana do pai Tomas”. Talvez não existisse vontade de colocar um negro para representar o pai Tomas ao invés de produzir o ultimo Black face da telenovela brasileira (não podemos esquecer que nesta época, Grande Otelo é ator de muitos filmes da Atlântida).
Retornado a discussão do negro na telenovela, foi em 1975/76 na TV Globo que Janete Clair fez “Pecado Capital”, novela pioneira em mostrar a ascensão dos negros naquele período de mobilidade social. Milton Gonçalves interpreta um personagem de classe média, negro de sucesso com o público, o psiquiatra Percival Garcia, entretanto, havendo uma aproximação do personagem negro com a personagem branca, sugerindo um possível romance, as cartas mandadas para emissora protestaram. Segundo Milton Gonçalves, as manifestações eram predominância do pensamento racista que existia na época e muitas vezes até hoje -”o negro tem que saber o seu lugar”.
A TV Tupi por sua vez produz “Gaivotas” de Jorge Andrade -1979, que criou o personagem negro mais bem posicionado na classe média; Otávio (Gesio Amadeu) era o braço direito do patrão, apesar de Engenheiro Chefe não possuiu nenhuma importância na trama. O estereótipo do ser exótico acompanhou Otávio, vítima do assédio preconceituoso de Lúcia (empregada doméstica branca) que pregava a idéia do negro prolixo (negro possui pênis grande). No final o que restou para Otávio foi o namoro inter-racial com a preconceituosa Lúcia, formando assim a falsa idéia da democracia racial.
Este conceito da democracia social é de ampla discussão, pois a idéia que o Brasil é um país preconceituoso, mas, racialmente democrático vem do argumento de ter havido no Brasil uma miscigenação entre o branco e a negra que em outros países escravistas não houve, todavia, não podemos esquecer que a miscigenação foi violenta, o filho mestiço foi fruto do estupro do homem branco. Essa idéia possui sua origem na teoria do antropólogo Gilberto Freire – “Casa grande Senzala” que salienta como positivo esta mistura entre colonizadores e escravas, mas tanto Florestam Fernandes como Darcy Ribeiro escreveram não existir esta tal democracia Racial. O preconceito no Brasil é tão sutil que nem imaginamos.
Outro fortalecimento da democracia racial na telenovela é a “Próxima Vitima “- Silvio Abreu 1995, onde o autor cria uma família de classe média negra, que cativa à simpatia do público, porém, a família não discute problemas raciais , os preconceitos discutidos na novela foram outros; o amor de diferentes idades e o amor entre homossexuais , à vítima foi um rapaz branco, tentando se relacionar com a filha negra (Camila Pitanga) e sofrendo rejeição da família.
Segundo Maurício Gonçalves, a novela brasileira não consegue atender a diversidade racial e hoje o estereótipo não acabou, só que agora é a negona boazuda e o negro ladrão ou jogador de futebol.
Este panorama da história do negro que decorre na literatura, TV e teatro, é porque entendemos que está na construção do processo histórico a raiz do preconceito. Durante quase 400 anos os negros foram arrancados de sua terra, família, cultura e feito escravo. Ao escravo era proibido dirigir sua vida, seus gostos, costumes, crenças e verdades. Não satisfeitos, deram a liberdade e violentaram no mais uma vez, introduziram os negros sem nenhuma condição na nova ordem vigente. Perpetuaram o discurso preconceituoso e ensinaram a terem vergonha de sua descendência escrava, esconderam e menosprezaram a riqueza da cultura brasileira, fruto da cultura africana.
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